Iniciamos a reflexão sobre a terceira parte do curso de ética da USP, ministrado pelo profº Clóvis Barreto. Para aqueles que caíram nesse texto em específico, vocês podem acessar o curso aqui.
Constrói-se nessa aula aquilo que é moralmente construído a nível psíquico durante o desenvolvimento do indivíduo. A forma utilizada para iniciar a reflexão sobre essa questão é o mito do Anel de Gyges, encontrado na República de Platão.
Basicamente, Gyges é um pastor que encontra um anel que lhe deixa permite o dom da invisibilidade. Assim que torna-se ciente de tal coisa, se aproxima do rei, seduz sua esposa, mata o soberano e toma-lhe o poder.
Este talvez seja o mito que deveria ser utilizado — e eu nunca tive — na aula de filosofia do ensino médio, pois ele me parece de grande utilidade para o desenvolvimento da moral juvenil. E, sem dúvida, um grande subsídio para remodelar a didática dos pais para com seus filhos. Talvez falte mais aos adultos do que às crianças. Gyges é o reflexo formativo de um transgressor típico, com uma base moral frouxa. Como isso é perceptível. O dom da invisibilidade retira dele toda reprimenda sobre os comportamentos criminosos. E o que isso significa? Que indivíduos que tem sua formação moral baseada na vigilância externa, quando esta é ausente, se inundam por seus desejos sombrios. Isso porque a moral é uma formação pessoal e que precisa de uma raiz, necessita ser construída com bases sólidas e que se sustentem através do tempo. Caso contrário, na ausência da força que o coage a agir corretamente, resta-lhe um vazio de nobreza moral que dá lugar aos instintos reprimidos. Afinal, se o meu desejo existe e nada me impede de satisfaze-lo, por que não?

Criamos então uma proporção de que quanto maior a coação externa, menor o desenvolvimento moral do indivíduo. E quanto menor a coação do indivíduo, mais a moral se apresenta. Acontece que a moral é uma formação pessoal e que se traduz naquilo que guia o indivíduo sem a interferência de terceiros, apenas por decisão própria, seja baseada no princípio que for. Como diria Capital Inicial: O que você faz quando ninguém te vê fazendo o que você queria fazer se ninguém pudesse te ver?
Isso é muito importante na formação das crianças para que elas não acreditem que a única coisa entre elas e um crime é a polícia ou a cadeia. Esse pensamento é típico de um psicopata. A educação emocional e social é parte importante na constituição das crianças como seres sociais, já que sem isso não há respeito sobre o espaço alheio. Afinal, não há polícia em todo lugar. E dizer-lhes que o motivo pelo qual não devem agir de tal forma é pela presença de terceiros é o mesmo que dizer que, na ausência destes, tal comportamento não tem problema. Sendo assim, essas pessoas não estão prontas para lidar com a moral. A polícia não tem que ser a regra para evitar crimes. A regra é a educação. A polícia tem que lidar com as exceções à regra. Nossos filhos tem que aprender conosco porque um crime é errado, porque ferir o outro é errado. A polícia é para aqueles que não conseguem aprender essa lição.
Esse exemplo se aplica ao fenômeno da corrupção política. É inegável a necessidade da Polícia Federal como força coercitiva da corrupção, assim o Ministério Público, etc. Já que são instituições que visam garantir uma conduta moral aceitável. A Constituição possui o mesmo princípio garantidor e preservador contra aqueles que atentam contra o coletivo. Mas uma forma de prevenir isso é fornecer subsídios cognitivos e emocionais para pensar por si mesmo e processar as variáveis envolvidas. Ser capaz de ponderar sobre si, seu desejo, o outro e o espaço do outro. Será que damos esses subsídios aos jovens? Seriam eles perversos por natureza ou apenas mal educados, no sentido literal da expressão?
A segunda parte discorre sobre Aristóteles e a virtude, colocando o homem virtuoso na posição de exemplo comportamental. Mas aí se iniciam os questionamentos sobre o que é virtude. Aristóteles reconhece como virtuoso o homem que sabe como agir diante da tempestade. O homem virtuoso é aquele que é capaz de resolver o conflito, de guiar o barco na tormenta. E a virtude é um ato contínuo, não a esporádica manifestação que impressiona. O professor virtuoso, portanto, seria aquele que ensina decentemente em todas as aulas e o arquiteto virtuoso seria aquele que se aplica em todas as suas construções.
Temos como ponto de reflexão a construção da virtude e da moral pelo ponto de ação onde é feita uma escolha. Mas toda escolha é excludente, o que sugere que a virtude é a habilidade de administrar conflitos, sejam internos ou externos. E para que isso seja feito é preciso construir uma moral. Ela vai administrar os conflitos com base nos princípios internos que você acolhe em si. Somente após a construção da moral é possível a escolha do caminho que te reflete fielmente e que lhe torna virtuoso.
Tenho como exemplo muito claro da minha escala de valores um momento da minha vida em que estava empregado e possuía um salário, mas não estava trabalhando na área da psicologia. Nesse mesmo momento me foi oferecido um estágio em avaliação neuropsicológica, mas que entrava em conflito de horários com emprego que eu tinha. E para completar a equação, o estágio não tinha bolsa. Eu passei por volta de uma semana refletindo até me recordar de uma coisa que eu disse para mim mesmo ao início da universidade, que é “a psicologia vem primeiro”. E eu aceitei o estágio e larguei o emprego. Mesmo que não fosse financeiramente positivo no presente, os ganhos curriculares de uma prática eram mais valiosos para mim porque até esse momento eu não havia trabalho com psicologia. Então a oportunidade de atuar no campo em que eu iria me forma era mais valioso para mim do que um salário mínimo.
Para fazer esse tipo de escolha, primeiramente, você precisa estabelecer o princípio e valor que lhe é mais importante no momento. À que cada um lhe serve e é útil? Que posição ocupa na sua escala de valores. Talvez você queira montar seu negócio próprio, ou esteja esgotado de trabalhar sem um propósito. A boa resolução desse conflito se dá pelo autoconhecimento de seus valores. É isso que acalma a tempestade.