Continuando a série de textos sobre o Curso de Ética, ministrado pelo professor Clóvis de Barros Filho, entramos na ética pelo viés dos limites de poder e atuação pessoais, assim como sua manutenção coletiva. É possível ver as aulas anteriores aqui, aqui e aqui.
Tolerância, do latim tolerare, se define como suportar a presença, existência ou ação de algo que representa uma conduta moral oposta à daquele que tolera. A partir daí, temos três princípios para que haja tolerância:
- O outro;
- Uma ideia oposta;
- A manifestação dessa ideia.
O ato de tolerar se fundamenta no conflito e no autocontrole. Ele só existe pela possibilidade do oposto. Eu poderia xinga-lo por defender essa ideia, mas não o faço. A tolerância pressupõe a existência de mais de uma opção. Porém, essa opção se fundamenta a partir de um conflito de valores entre a ideia e o receptáculo. Isso porque o receptáculo da ideia não é apenas isso. Ele contém outras coisas que o constituem e o valor dessas coisas, quando pesados, são mais benéficos do que o incômodo daquilo que está sendo tolerado. Por exemplo, um casal evangélico e um católico mantém boas relações apesar da divergência religiosa pois o relacionamento é agradável, favorecendo a tolerância desse fator dissonante. Ou simplesmente porque há uma imagem a zelar e o ato público da intolerância resultaria na aniquilação dessa persona.
Retornando aos princípios que regem a tolerância, iniciamos com o outro. Esse outro, filosoficamente falando, não é apenas outra pessoa, mas outra existência, que se diferencie do primeiro elemento. Essa diferenciação se faz pelo segundo princípio, uma ideia oposta, mas que só se realiza no terceiro princípio, que é o da comunicação. É somente através da comunicação dessa diferença, seja pela fala, escrita, comportamento social, entre outros, que somos capaz de reconhecer essa diferenciação.
Isso significa que uma cultura que silencia o outro não pode ser tolerante, já que não há relação sem comunicação e se o outro não pode comunicar a si mesmo, não há diferenciação entre os indivíduos. A tolerância não existe na concordância, mas na permissão do contrário. Agora que já entendemos que a tolerância é a virtude da relação. Vejamos como isso se aplica na organização vital da sociedade.
Política é arte ou ciência da organização, direção e administração dos assuntos e recursos do espaço que rege. Sendo uma arte onde seus templos servem de pontos de convergência para os diversos pontos de vista daqueles que dela participam, o que vocês acham que acontece com uma política, mesmo com a divisão de poderes, se ela não possui tolerância para iniciar e concluir uma discussão? Isso mesmo. Nada acontece. O grande problema é que, no caso da política dinheiro público é gasto para isso acontecer. Então precisamos de um princípio ou valor fixo para não permitir o eterno conflito entre as partes. No caso da política, usamos como base primária a Constituição. Economiza muito tempo excluir PL’s que entram em conflito com a Constituição. Mas a intolerância se serve do poder e do silêncio. E a política é um meio extremamente útil para promover a intolerância, visto que as Propostas de Emenda Constitucionais alteram a Constituição. Isso significa que a política é o campo mais atraente para manifestar a intolerância. E com esse princípio da intolerância, entramos na segunda parte da aula. Laicidade.

Laicidade é a neutralidade do Estado diante de instituições religiosas. Ela não significa um estado ateu, tampouco um estado teológico. Ele representa um Estado independente dessas influências. O que assegura tanto a diversidade de culto quanto a de não cultuar. Esse é um princípio interessante, pois ele se mostra uma contra-medida à intolerância. Se a tolerância pressupõe um outro caminho, ela se baseia na autoridade e no poder. Quem não tem poder, não tem escolha. Não tem escolha, não pode escolher tolerar ou não. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Mas se a tolerância não se opõe concretamente, mas permite o oposto, o que acontece quando se tolera uma ideologia que agride os outros pelas crenças diferentes? A tolerância absoluta seria permitir que todas as ideias se manifestassem sem represálias. E isso inclui homicídios, assaltos, estupros e etc. Afinal, são pontos de vista. A laicidade é o estado garantidor da tolerância e dos limites. É exatamente por não podermos permitir que determinados comportamentos se perpetuem que criamos lei intolerantes à esses comportamentos.
A laicidade e a tolerância se excluem como princípios, pois a tolerância é a escolha pessoal pela tolerância quando se pode ser intolerante, enquanto a laicidade é a obrigação do ato de tolerar. A tolerância é pessoal e consequente da formação moral, enquanto a laicidade é política e arbitrária sobre as regras de convivência. A reflexão a ser feita é: Por que precisamos de uma lei para isso? Que tipo de educação faz com que a laicidade seja tão evocada nos dias de hoje de forma tão recorrente? Já vimos que a conduta moral que forma a ética pessoal é consequente da construção de valores e escolhas; e que quanto menos escolhas, menos a moral se manifesta, pois se está coagindo o outro a agir de uma determinada maneira. Então, numa sociedade que a todo momento precisa evocar a laicidade para resolver questões de saúde pública como legalização do aborto, qual a educação vigente para a discussão da tolerância? Do espaço do outro? O que há com os limites que antes eram tão nítidos?
Como todo conhecimento precisa de aplicabilidade, queria deixar como desafio de tolerância o acolhimento de uma ideia oposta à sua. Não a simples absorção, mas a compreensão de algo que antes era inadmissível para você. Uma postura política, econômica, visitar o templo religioso diferente do seu… E, feito isso, desenvolver esse pensamento de forma útil. Uma privatização ou uma estatização; a mensagem de uma missa católica, uma gira de umbanda ou um culto evangélico; um livro ou um filme não escolhido por você. E não esqueça de voltar aqui e contar o que você aprendeu. Ou pode comentar agora mesmo se você puder se lembrar de algum evento assim. Espero que tenham gostado. Não esqueçam de deixar sua opinião e compartilhar. Até a próxima!