Chegamos à penúltima aula do Curso de Ética. Aqui começamos a elaborar um dos conceitos mais importantes da vida do ser humano: o amor.
Para isso precisamos nos concentrar em dois conceitos. O real e o ideal. Essa oposição é crucial para ser minimamente capaz de caminhar em direção à felicidade. O real denota a existência palpável, material e biologicamente percebida das coisas. Ao contrário, o ideal se baseia naquilo que não existe no presente. Daqui vamos para o carrasco da vida humana, a insatisfação. O idealismo vende-se como um porto seguro, um lugar bom onde se pode refugiar-se de uma realidade insatisfatória. Isso significa que nossa construção psicológica é tipicamente idealista. Nada nunca está bom o suficiente. Nunca o emprego que eu tenho, a casa que eu tenho, o carro que eu tenho, e o(a) parceiro(a) que eu tenho. Eu sou proibido de estar satisfeito com a minha vida.
Nietzche coloca o idealismo transcendente na conta do pensamento religioso. Graças à ele, desenvolvemos muletas metafísicas para lidar com uma realidade negativa para a qual não temos condição de muda-la. O exemplo usado é a parábola de Jesus que diz que “os humilhados serão exaltados”, que para Nietzsche significa apenas uma forma de descontentamento velado, visto que isso não transforma a realidade nem a torna agradável ao seu paladar. Praticamos isso com mais frequência do que imaginamos. Uma forma mais moderna desse pensamento se encontra na fábula da Raposa e as Uvas de Esopo. A solução proposta por Nietzsche vai em outra direção, que ele chama de Amor Fati. Esse conceito significa amar o mundo como ele é, amar a casa que você tem, o marido ou esposa que você tem, o carro que você tem, os filhos que você tem, o corpo que você tem. Logicamente, isso não significa abster-se de contestar a realidade injusta e dedicar-nos a melhores condições de vida, mas não permitir que toda a felicidade esteja apenas num único ponto imaginário: o futuro ou o passado.
Para os estóicos, o passado e o futuro são um mal para a vida a ser vivida, chamados de Tempos da Alma. Viver em um passado bom é nomeado de nostalgia. De forma oposta, o passado ruim traz à tona o sentimento de culpa ou arrependimento, um julgamento negativo por aquilo que se fez. Já a espera pelo futuro ruim é traz à tona o sentimento de medo ou temor, enquanto pensar no futuro e sentir-se bem traz à tona o sentimento que chamamos de esperança. Nesses dois tempos, a vida que deveria ser bem vivida no presente não acontece. Para Nietzsche, quando nos localizamos em um desses tempos, praticamos uma fuga mental do mundo presente para nos refugiarmos abstratamente em mundos invisíveis, sem consistência ou existência no mundo presente. O que significa que todos os quatro casos são negativos, pois ao estarmos regidos pelos tempos da alma, estamos enfraquecidos diante do mundo e por isso o negamos fugindo.

É aqui que entra o conceito de amor fati, negar o paraíso cristão, o emprego dos sonhos, o carro do ano e tudo de ideal onde depositamos nossa felicidade e esperançosamente aguardamos para sacá-la… sem sequer saber se algum dia nos darão a senha dessa conta. Repito que não é necessário abdicar de futuros melhores, mas a única possibilidade de satisfação real e presente é amar o mundo que temos no momento. É o encontro possível, é aproveitar o que do mundo pode ser aproveitado. O amor ideal é insaciável, porque a condição básica de sua existência é não existir. O real é, por natureza, um boxeador de idealidades, ou, como a Psicologia chama, projeções. Sabe aquele momento em que seu(ua) companheiro(a) não faz aquilo que você quer, se comporta de maneira diferente do que você acha que deveria se comportar e você se irrita profundamente com isso? Pois bem. Nesse momento você encontrou a pessoa que está dormindo com você de verdade. Você encontrou aquilo que está além da projeção, do ideal, da fantasia. Esses ideais são os ídolos de Nietzsche, aqueles que você deve destruir para ser feliz no mundo real. Tarefa que de simples não tem nada, visto que Nietzsche chama aquele que abdica de muletas metafísicas pelo epíteto de Super-Homem.