Um dia Oxalufã, que vivia com seu filho Oxaguiã,
velho e curvado por sua idade avançada,
resolveu viajara Oió em visita a Xangô, seu outro filho.
Foi consultar o babalaô para saber acerca do passeio.
O adivinho recomendou-lhe não seguir viagem,
pois a jornada seria desastrosa e poderia acabar muito mal.
Mesmo assim, Oxalufã, por teimosia,
resolveu não renunciar à sua intenção.
O adivinho aconselhou-o então a levar consigo três panos brancos,
limo da costa e sabão da costa.
E disse a Oxalá ser imperativo tudo aceitar com calma
e fazer tudo o que lhe pedissem ao longo da estrada.
Com tal postura talvez pudesse não perder a vida no caminho.
Em sua caminhada, Oxalufã encontrou Exu três vezes.
Três vezes Exu solicitou ajuda ao velho rei
para carregar seu fardo pesadíssimo de dendê, cola e carvão.
Três vezes Oxalufã ajudou Exu a carregar seus fados sujos.
E por três vezes Exu fez Oxalufã sujar-se
de azeite de dendê,
de carvão,
e outras substâncias enodoantes.
Três vezes Oxalufã ajudou Exu.
Três vezes suportou calado as armadilhas de Exu.
Três vezes foi Oxalufã ao rio mais próximo lavar-se e trocar as vestes.
Finalmente chegou Oxalá à cidade de Oió.
Na entrada viu um cavalo perdido, que ele reconheceu
como o cavalo que havia presentado a Xangô.
Tentou amansar o animal para amarrá-lo e devolvê-lo ao amigo.
Mas nesse momento chegaram alguns soldados do rei
à procura do animal perdido.
Viram Oxalufã com o cavalo e pensaram
tratar-se do ladrão do animal.
Maltrataram e prenderam Oxalufã.
Sempre calado, o orixá deixou-se levar prisioneiro.
Magoado e desgostoso foi arrastado ao cárcere sem comiseração.
O tempo passou e Oxalufã continuava preso e sem direito de defesa.
Humilhado, decidiu que aquele povo presunçoso e injusto
merecia uma lição.
E o velho orixá usou de seus poderes e vingou-se de Oió.
Assim, Oió viveu por longos sete anos a mais profunda seca.
As mulheres e os campos tornaram-se estéreis
e muitas doenças incuráveis assolaram o reino.
O rei Xangô, em desespero, consultou o babalaô da corte
e soube que um velho sofria injustamente como prisioneiro,
pagando por um crime que não cometera.
Disse-lhe também que o velho nunca havia reclamado,
mas que sua vingança tinha sido a mais terrível.
Xangô correu imediatamente para a prisão.
Para seu espanto, o velho aprisionado era Oxalufã.
Xangô ordenou que trouxessem água fresca das fontes para banhar o velho orixá.
Que lavassem seu corpo e o untassem com limo da costa.
Que providenciassem os panos mais alvos para envolvê-lo.
O rei de Oió mandou seus súditos vestirem-se de banco também.
Pois era preciso, respeitosamente, pedir perdão a Oxalufã.
Xangô vestiu-se também de branco
e nas suas costas carregou o velho rei.
E o levou para as festas em sua homenagem
e todo o povo saudava Oxalá
e todo o povo saudava Airá, o Xangô Branco.
Oxalá é um senhor idoso, tranquilo, mas, de certa forma, passivo. Alvo constante de Exu, jovem e cheio de vitalidade, Oxalá é tratado injustamente no reino do orixá da justiça. Tal ato exige retratação pública. Ocorre um ato de justiça restaurativa. É preciso que Oxalá retorne ao seu status de inocente, e, para isso, é preciso que Xangô, o responsável pela justiça inverta sua posição de rei. Antes, superior a todos, coloca-se abaixo de Oxalá, carregando-o nas costas. Torna-se súdito, Airá, troca suas cores pela de seu pai. Está paga sua dívida, está restaurada a ordem.
Referência Bibliográfica
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.