Malèna é um filme escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore e estrelado por Monica Belluci. A história acontece em um vilarejo na Sicília, 1941, próximo do fim da Segunda Guerra Mundial, e acompanha dois protagonistas. Renato Amoroso, um jovem de 12 anos, recém-iniciado na puberdade; e Malèna Scordia, a moça mais bonita do vilarejo.
O filme começa com Amoroso se juntando aos meninos mais velhos e, a partir daí, passa a compartilhar com eles a admiração constante à Malèna. No caso de Amoroso, em sua fantasia, ele passa a ser o namorado dela, até mesmo a protegê-la das investidas dos outros meninos. O grupo, antes da chegada de Amoroso, estava a queimar uma formiga. Ao término do ato, repetem juntos: “Senhor, não me culpe, pois sou filho de Maria”. Aqui, compreendemos que o filme tratará da dualidade religiosa entre pecado e santidade que acomete a vila.
Malèna é bela como nenhuma outra mulher, mas isso não é propriamente uma benção. Seu marido foi à guerra e não retornou, restando-lhe seu pai surdo que dá aula na mesma escola em que estudam os meninos que são seus admirados. Para os homens da vila, Malèna é nada além de uma bela mulher a ser desejada; e, para as mulheres, alguém vulgar a ser detestada. Um fator a considerar é que Malèna vive na periferia da vila. Isso é um reflexo da posição da beleza em um momento tão sombrio. Os homens desejam, e as mulheres da vila invejam o que já perderam e, agora, somente Malèna possui.
Uma das melhores cenas é o discurso do advogado durante seu julgamento no tribunal, expondo a condição da psique coletiva da vila em relação à Malèna.
Com o desenvolvimento da história, Malèna recebe a notícia de que seu marido faleceu. Apesar da jovem estar em luto, para os homens da cidade a notícia é quase comemorativa. Se não fosse o decoro da ocasião, certamente soltariam fogos. As mulheres, por sua vez, começam a difama-la profundamente. Mas Renato age diferente. Ele vai à igreja pedir à um santo que “proteja Malèna Scordia do povo daqui. Pelo menos por alguns anos, depois eu assumo“. Com a morte do marido, seguida da morte do pai, a crise decorrente da guerra e sem qualquer perspectiva de trabalho, Malèna sucumbe ao papel que a vila lhe deu. A de mulher do desejo.
A partir daqui, ela para de se esconder da vila, mas permanece mal falada como anteriormente. Semelhante ao ditado “se for pra levar a culpa, que pelo menos seja por ter feito”. Malèna se torna uma prostituta de luxo para o exército alemão. Talvez uma crítica velada de como Giuseppe compreende a aliança entre a Itália fascista e a Alemanha nazista.

Ao fim da guerra, Malèna é expulsa da vila, como se purgasse o último resquício da guerra. A cena é bíblica. Apesar disso, um acontecimento inesperado faz com que ela retorne. O autor é muito claro nessa parte. Segundo ele, a dignidade perdida só pode ser recuperada onde se perdeu. Tanto o vilarejo quanto Malèna buscam apagar seus papeis durante a guerra. Giuseppe faz um filme que busca explicitar o lado cruel da beleza, a mesma condição de seres como Narciso e Dafne na mitologia grega. Malèna não é amada, é cobiçada, hipnoticamente. É uma beleza que resulta na auto-destruição. Ela é nociva ao portador. Um conceito subversivo diante da costumeira visão positiva da beleza.
Apesar do filme começar divertido e dando mais protagonismo à Amoroso, aos poucos ele se concentra em Malèna, e vai se tornando cruel. A jornada dos dois protagonistas se espelha na questão sexual, mas nunca se encontra. Quando a experiência de Amoroso se inicia, a de Malèna finda. Mas uma coisa permanece, Malèna é um filme sobre sofrimento de uma mulher incapaz de ser amada por ter sido amaldiçoada com a beleza; mas também de uma mulher endeusada pelos olhos de um garoto.
“Pedalei o mais rápido que pude, como que para fugir do desejo, da inocência, e dela. Era certo que esperava esquecer de Malèna. Na velhice, descobri que minha vida foi banal. O tempo passou e amei muitas mulheres. E ao me abraçar, perguntavam-se se ia me lembrar delas. Do fundo do coração achei que sim. Mas a única de que nunca me esqueci, foi a que nunca perguntou: Malèna.”